#EP34: “O nosso sistema de ensino está a fracassar e, pior do que isso, está a destruir os alunos”

O 34º episódio do Podcast Isto Não é Pera Doce reflete sobre a integração da Computação, como disciplina fundamental no Sistema de Ensino, em Portugal. Luís Neves, Cofundador e Presidente da ENSICO - Associação para o Ensino da Computação – explica este projeto de ensino e os objetivos traçados para a computação integrar o ensino obrigatório até 2025.

Compartilhar
#EP34: “O nosso sistema de ensino está a fracassar e, pior do que isso, está a destruir os alunos”
Fígura de ondas técnologicas azul

Assumem-se como um projeto piloto – bottom up -, com várias fases. Uma iniciativa que partiu de uma folha em branco, para que a criatividade não fosse condicionada no programa que tinham para desenvolver. Assista à conversa, na íntegra:

«Em Portugal, o copy paste, a todos os níveis, é uma coisa absolutamente deliciosa e bem entendida por todas as pessoas»

A ENSICO nasce no final do ano de 2019, com a vontade de integrar a Computação no ensino obrigatório até 2025. Depois de iniciarem o trabalho no terreno, em 2020, assumiram, desde o início, o compromisso de que iriam precisar de cinco anos para fazerem tudo o que conseguissem, para que em 2025 fosse tomada uma decisão que tivesse o alcance nacional a que se propõem com esta iniciativa. 

Um projeto novo que, segundo o conhecimento da equipa da ENSICO, não existe em mais nenhuma parte do mundo. Um desafio enorme, pois «Em Portugal, o copy paste, a todos os níveis, é uma coisa absolutamente deliciosa e bem entendida por todas as pessoas», já o que é novo pode gerar mais dificuldades de aceitação, assume Luís Neves. 

Uma página em branco que começou a ser escrita pelo primeiro alvo: os professores.

Elegemos como primeiro alvo os professores. Quisemos reunir um conjunto alargado de professores. Quisemos, de facto, explicar o que é que era computação, explicar qual era o objetivo, porque é que estávamos a tentar fazer isto. Esses professores quiseram passar à fase dois. A fase dois era começarmos, então, a trabalhar com escolas e com alunos. E, então, iniciamos um primeiro ano letivo de trabalho com professores e alunos.   

«Aliás, nós costumamos usar uma expressão muito portuguesa que é “nós fizemos a papinha toda”.»

Após arrancarem com o primeiro ano letivo, começou a ser posto também em prática aquilo que é o programa que defendem. As aulas são semanais e os professores são preparados para este tipo de ensino. 

Na introdução do projeto às escolas, a ENSICO pede apenas tempo. A única condição é que, caso a escola considerasse o projeto uma proposta válida, que dedicassem o seu tempo e o dos professores que iriam estar envolvidos com o projeto. 

Num primeiro momento, era a equipa da ENSICO que ia às escolas dar as aulas de computação, ocupando esse tempo disciplinar. O objetivo foi acompanhar a equipa, recolher feedbacks, para perceberem como é que o modelo poderia funcionar, para chegarem à fase onde se encontram – fase cinco: formar professores.

Portanto, foi exatamente assim que nos primeiros três anos letivos, até chegar a este em que estamos, nós tivemos sempre a trabalhar com estes professores, foram acompanhando, foram-nos dando feedback, opiniões, etc. Com isso fomos começando a perceber como é que tudo isto poderia funcionar, para então, chegarmos a outra coisa que estava definida, que é a fase onde estamos agora, que é formar professores das escolas, porque já estão no sistema de ensino, em ensino da computação. E, para que eles sejam, agora, os professores de computação. 

As matérias a lecionar são preparados pela ENSICO, que constroem os conteúdos, exercícios, referenciais, tudo aquilo que um professor vai ter de explorar durante o ano letivo.

[Desenvolvemos] tudo. Aliás, nós costumamos usar uma expressão muito portuguesa que é “nós fizemos a papinha toda”. E, quando digo toda, é muito mais do que as pessoas possam imaginar. No fundo é, todos os materiais usados em aula têm dois níveis. Nós fornecemos, a todos os professores, slides para usar em aula – acompanhamento da aula -, e esses slides são divididos em dois níveis particulares. Nós, aliás, temos slides de duas cores, como costumamos dizer. São os slides brancos, que são os slides que são projetados em aula e, os slides que os professores recebem, são slides brancos – toda essa sequência -, com slides azuis pelo meio, que têm todo um conjunto de explicações, que são as chamadas “notas do professor”. 

Desta forma, os materiais pedagógicos são disponibilizados aos professores, de tal forma que, em muitas aulas, os mesmos podem guiar-se, literalmente, por eles e contar uma história aos alunos. Essa história, vai introduzindo personagens que estão fortemente ligadas à computação. 

Tudo é fornecido por nós, para que o professor possa fazer duas coisas importantíssimas: ponto um – estudar e, então, saber exatamente aquilo que nós estamos a sugerir que seja trabalhado em aula e depois há um outro nível que tem a ver com todo um conjunto de atividades concretas e objetivos que pretendemos atingir, mas, salvaguardando sempre um princípio: o professor é completamente soberano no que decide fazer em sala de aula. E essa soberania é, para nós, sagrada.

Soberana é também a carga horária que não deve ser aumentada, garante Luís Neves. 

Nós não defendemos, de forma alguma, que haja aumento de carga horária. Pelo contrário, até defendemos é que haja de facto uma reorganização das coisas e a carga horário diminua. Nós consideramos que o aluno deve ter momentos de tédio. E que deve ter momentos em que está literalmente está a olhar para o céu, ou para o teto, ou para qualquer outro lado.

«A vontade de aprender diminui ao longo dos anos»

A carga horária não deve ser uma dificuldade. Para dificuldades bastam as que foram reconhecidas pela equipa da ENSICO aquando da preparação deste projeto, nomeadamente:

A vontade de aprender diminui ao longo dos anos. Isto, para nós, é um sinal claríssimo que o nosso sistema de ensino está a fracassar e, pior do que isso, está a destruir os alunos.

 

Dado este conhecimento, era - e continua a ser - fundamental para a ENSICO perceber bem o que realmente é o estado atual do Ensino em Portugal e, nomeadamente, aquilo que é o ensino das disciplinas científicas e muito particularmente, obviamente, aquilo que é a forma como a matemática é aprendida pelos alunos. 

Nós começarmos a trabalhar com modelos mentais e, era para nós fundamental começarmos aí. Começarmos com alunos de segundo e terceiro ciclo para vermos exatamente o que acontecia e se os alunos estavam com os conhecimentos e com essa capacidade desenvolvida para poderem tirar partido também de outra disciplina, como é o caso da computação, que bebe muito particularmente da matemática. Apercebemo-nos aí que nós estamos realmente com muitos, muitos problemas.

Neste contexto, decidiram começar pelo meio – segundo e terceiro ciclos – mas, como um programa definido a doze anos, saberiam que iria estender-se também aos níveis de ensino mais novos. Desta forma, a primeira fase é marcada pelos professores; a segunda pelo primeiro ano letivo com alunos de segundo e terceiro ciclos; a terceira pelo primeiro ciclo – sendo que só foram abrangidos os terceiros e quartos anos, pois a pandemia impossibilitou a chegada aos primeiros e segundos anos -, segundo e terceiro ciclos (até ao nono ano); e a quarta-fase marcada pelos primeiro, segundo e terceiro ciclos na totalidade dos mesmos - até ao nono ano. 

«No mundo moderno, devemos continuar a pôr a tónica na linguagem»

Mas, como pode o ensino da computação trazer benefícios para a aprendizagem geral dos alunos? Para Luís Neves, tudo se resumo à linguagem. E explica: 

A ordem disto é, de facto: língua materna, a linguagem matemática e depois, então, a computação, ou a linguagem da computação. Isto são tudo linguagens. E, é fundamental entendermos, de uma vez por todas, que o ser humano inicia a sua jornada, qualquer um de nós inicia a sua jornada, pela comunicação e, em particular, comunicação com os outros. Isto faz-se através de uma linguagem. Nós estabelecemos e definimos linguagens para comunicarmos uns com os outros. E porque é que não podemos brincar com a aprendizagem da matemática? Porque a matemática já é uma corporização daquilo que é a aprendizagem da língua materna. Ou seja, o aluno para aprender matemática, ou outra língua, acaba por ter de se expressar, mas em que ele primeiro teve de pensar e raciocinar e comunicar usando a sua língua materna. 

É, por isso, também através desta dimensão – a linguagem – que são percecionados problemas e dificuldades nos alunos com os quais a ENSICO trabalha – cerca de cinco mil. O maior problema está na interpretação, refere Luís. E, é neste contexto, que afirma que a tónica deve continuar a pôr-se na linguagem. 

O maior problema que nos chega diariamente sobre as aulas que temos de computação, quando eu digo nós, chega a qualquer professor, qualquer professor diz isto atualmente, é que os alunos não sabem interpretar. Não sabem o significado das palavras. Não se sabem expressar. Isto é tão dramático que, nós neste momento se quisermos fazer um questionário a um aluno, pondo-lhe uma folha à frente, em que a pergunta tem duas linhas, ele nem olha para as duas linhas. Ele olha para o professor e pergunta o que é para fazer. É assim que nós estamos. Esta é a realidade. E, portanto, o novo trio que nós aqui defendemos é precisamente, que no mundo moderno, nós devemos continuar a pôr a tónica na linguagem. Tudo isto começa com a linguagem e, em particular, com a nossa língua mãe.

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

Adriana Ribeiro

Ver todos os artigos

Newsletter

Junte-se à nossa Comunidade!

Conheça, em primeira mão, todas as novidades e informações sobre o e-Schooling e receba conteúdos sobre as últimas tendências e inovações na área da educação!