No episódio 10 de Isto Não é Pera Doce, estivemos à conversa com Sofia Sousa Rocha, compositora e professora, desde 2013, no Conservatório Calouste Gulbenkian, onde também completou o 8.º grau de violino e enveredou pela área de composição. Durante o seu percurso, estudou com vários compositores de destaque da música contemporânea, tendo concluído o mestrado de Música sob orientação de António Pinho Vargas. Com um vasto currículo na área da composição e com várias colaborações e apresentações contabilizadas em festivais e palcos de referência, em 2015 surgiu um desafio para o qual a professora Sofia não estava preparada: como ensinar Música a um aluno cego?
Musicografia Braille: todo um mundo novo para descobrir
No ano letivo 2015/2016, ingressou no curso básico de Música lecionado pela professora Sofia um aluno cego. A docente sabia que existia o braille, mas não tinha um conhecimento profundo acerca do seu funcionamento. Não dominando o braille, compreender este sistema adaptado à música torna-se ainda mais desafiante. Por isso, a partir daqui, como é que se procede?
Os problemas começaram a aparecer desde cedo nas primeiras aulas, como foi o caso de uma aula de formação musical em que o objetivo era ensinar a audição, a escuta ativa e a reprodução de silêncio, mas que exigia que os alunos colocassem, simultaneamente, alguns apontamentos nos seus cadernos. Ora, o aluno com deficiência visual tinha de utilizar uma máquina de escrever braille e o barulho da máquina não era compatível com os exercícios de silêncio.
Para resolver esta questão, a Escola Secundária de Maximinos, que estabeleceu um protocolo de ensino articulado com o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, adquiriu um software para o aluno no âmbito do projeto “Música para Todos”, mas teve de concorrer a um concurso para o efeito, dado o elevado custo do software.
Precisávamos de comprar um software que, por incrível que pareça, é bastante caro. Uma licença custa cerca de 400€ (…) uma licença para um computador só.
Depois de alguns meses, a instituição conseguiu adquirir a licença, mas nem todos os desafios ficaram resolvidos. Ao longo do episódio, Sofia menciona as maiores dificuldades que sentiu enquanto docente, em grande parte motivadas pelos hábitos e tendências naturais dos professores em contexto de sala de aula. Escrever no quadro, apontar para os conteúdos que estão a ser projetados e perguntar aos alunos “estão a ver este exercício?”, foram alguns dos desafios que teve de ultrapassar para conseguir contextualizar e descrever, em todos os momentos, o maior número de detalhes possíveis da sala de aula e das dinâmicas entre colegas.
O sentido de cooperação entre colegas como um ingrediente extra e muito especial!
Ao longo da descoberta da musicografia braille, a professora Sofia destacou algo que foi essencial e que melhorou, exponencialmente, a experiência dos alunos com deficiência: o sentido de cooperação entre colegas, que é visível nas mais diversas situações.
De entre vários acontecimentos, a Professora Sofia exemplificou essa cooperação com o papel do maestro. Se ele utiliza linguagem gestual para que os alunos saibam quando têm de começar a tocar, os alunos cegos têm de ter o auxílio do colega do lado para que, com a contagem do “1,2,3,4”, saibam quando têm de entrar.
Ao terem acesso a um ambiente de aprendizagem inclusivo, desde o jardim de infância, permite aos alunos desenvolver grandes valores humanos e, simultaneamente, exercer um papel ativo e participativo nas aprendizagens dos colegas.
Tem de ser sempre a cooperação de algum colega a ajudar e a fazer este papel de quase coadjuvante na tarefa de aprender e ensinar.
A realidade da falta de informação e de cultura sobre uma disciplina subaproveitada
Apesar do sucesso do projeto “Música Para Todos”, um dos alunos cegos que queria prosseguir estudos de canto, não conseguiu aceder a dois cursos secundários em simultâneo, o que veio contrariar a escola inclusiva pela qual todos ambicionamos. Para além de algumas críticas à falta de igualdade de oportunidades, a professora Sofia também teceu duros comentários ao atual ensino da Educação Musical.
Para além de considerar que existe uma grande falta de informação e de cultura por parte da sociedade em geral relativamente à Educação Musical, também acredita que a disciplina está subaproveitada. O foco ainda passa por ensinar a prática da flauta de bisel que, na opinião da Professora Sofia, é um instrumento que não permite ao aluno aceder a uma experiência musical enriquecedora.
A prática da flauta de bisel, que nós conhecemos tipicamente como aquela flauta de plástico que tem um som irritante, se calhar devia ser abolida definitivamente ou quase (…) porque isso não é uma experiência musical muito enriquecedora. Ter 20 e tal alunos a soprar para dentro daquele instrumento que é feio, não é?
Para além disso, ainda são demasiadas as aulas em que os alunos aprendem escrita e não música, com as horas perdidas que gastam a tentar desenhar a clave de sol mais perfeita. Na ótica desta docente, e também compositora, o papel do Professor de Música, passa por estimular a criatividade dos alunos e por lhes fornecer uma experiência musical abrangente. No seu caso, seja sincero…sabe o que é um fagote?
Assista ao episódio para descobrir e navegue no vasto mundo musical que tanto nos inspira todos os dias!
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