#EP38: “O problema já não é a gestão ser privada ou não ser privada, é trazermos os melhores para o ensino”
No 38º episódio do Podcast Isto Não é Pera Doce conversamos com Francisco Vieira. Administrador dos Colégios Maristas, Francisco passou pela Secretaria de Estado da Juventude, pela administração da Fundação de Cascais e pela direção do Fórum Liberdade e Educação.
No 38º episódio do Podcast Isto Não é Pera Doce conversamos com Francisco Vieira. Administrador dos Colégios Maristas, Francisco passou pela Secretaria de Estado da Juventude, pela administração da Fundação de Cascais e pela direção do Fórum Liberdade e Educação.
As escolas sempre existiram muito centradas nas partes letiva e pedagógica. E, é isso que interessa. Mas, hoje, percebemos que os serviços de suporte à escola adquiriram um peso maior. Um bom Ensino já deve corresponder a estas necessidades que foram surgindo com a evolução. Afinal, o que está a mudar? Assista à conversa, na íntegra:
A profissionalização dos serviços
Quando pensamos em escolas, pensamos, sobretudo, na parte pedagógica. Um ano letivo que com certeza terá muitos desafios de aprendizagens para todos os alunos que farão parte dele. Mas, apesar de ainda hoje o Ensino se centrar nestas áreas letiva e pedagógica, a gestão é, nos dias de hoje, uma das áreas que mais merece atenção. Os serviços de suporte à escola ganharam dimensão e precisam de ser profissionalizados.
E as escolas foram criadas à volta desta ideia – foram criadas, ou sempre existiram assim -, muito centradas, e é assim que deve ser, na parte letiva e na parte pedagógica, na parte da docência. E é isso que interessa, simplesmente, os serviços de suporte à escola – a área que eu me mexo com maior liberdade – foram ganhando um peso maior. Ou, tornaram-se uma necessidade maior. Antes, você não tinha tanta necessidade desses serviços de suporte e agora, para prestar um bom Ensino – não é que eles sejam centrais, o central continua a ser o professor na sua relação com o aluno, mas tem muito mais necessidade deles.
Atualmente, em qualquer empresa, o departamento de Recursos Humanos desenvolveu-se brutalmente. Quer RH, quer, por exemplo, o departamento de comunicação. Nas empresas, ocupa uma grande área e uma dimensão enorme. Numa escola privada, afirma Francisco Vieira e Sousa, começa a ocupar dimensão.
Nós quando olhávamos, por exemplo, para os quadros dos colégios maristas, são os que eu conheço melhor, mas será igual na maior parte das escolas. Objetivamente nós estamos a falar de entidades altamente formadas, cientificamente, portanto, a média de habilitações numa escola é brutal. Todos os professores são, no mínimo, licenciados. E eles são o grosso dos nossos funcionários. Mas, fora do que era os docentes, praticamente, não tinha licenciados. Todos os serviços de apoio era serviços não diferenciados: limpeza, vigilância, refeitório… Hoje em dia, isso é impensável. Você tem uma série de serviços de apoio que são com pessoas também altamente qualificadas.
E, é neste contexto que entra a tecnologia, pois para o professor poder trabalhar com o tecnológico, ele precisa de um bom serviço de suporte na área tecnológica.
A parte tecnológica, pelo menos na minha visão, é um instrumento, não é o fim em si mesmo. O maior desafio são os professores. Os professores é que têm que alterar a prática pedagógica, incorporar novas práticas, incorporar até novas formas de estar na escola, estes novos instrumentos. E o segundo grande desafio […] também ainda não é com os alunos, é com os pais.
Os pais preocupam-se em acompanhar o percurso escolar dos filhos. E, cada vez mais, as escolas preocupam-se em responder a essa preocupação. Daí que as plataformas escolhidas para a escola já não se centrem apenas em processos administrativos, mas também comecem a focar-se no processo ensino-aprendizagem.
Portanto, nós temos um conjunto de plataformas que são plataformas, vamos chamar-lhe, pedagógicas e conteúdos, e depois temos um conjunto muito grande, onde de facto há maior complexidade na utilização. […] Até hoje em dia um pai que entra num Jardim de Infância com um menino com três anos é capaz de ter de aprender a trabalhar com uma plataforma, porque é aquela onde ele vai ver o que é que o menino comeu e não comeu…
Desta forma, todas estas questões estão em cima da mesa quando o assunto é relativo à gestão de uma escola.
Eu diria que, numa escola privada, nós temos alguma liberdade. E, portanto, eu julgo que o maior desafio será, dentro da margem de liberdade que se tem, quer política, quer financeira, tentar fazer o melhor possível. E, nós temos tentado fazer algumas transformações, que conseguimos e que eu julgo, por exemplo as escolas estatais estão com dificuldades em conseguir. […] Em todo o caso, gerir a mudança, seja no privado, seja no público, é sempre o maior desafio. Eu diria em qualquer instituição e numa escola por maioria de razão.
«A falta de professores é um problema»
Os desafios são muito, mas também existem problemas. E, a falta de professores é um deles, afirma Francisco.
A falta de professores é um problema. E é um problema real. É mais difícil ou menos difícil chamar. Do ponto de vista pragmático, primeiro argumento, primeiro nível de avaliação, primeiro fator: tabela salarial.
Francisco Vieira e Sousa aponta a tabela salarial como o primeiro fator a causar o problema da falta de professores. Nas suas palavras, uma escola privada não tem capacidade de reagir tão rápido a mudanças salariais brutas, porque procura manter um certo equilíbrio. Assume, por isso, que se as tabelas salariais subirem muito depressa, têm um problema.
Procuramos ter ali um certo equilíbrio. Se, de repente, as tabelas salariais sobem muito depressa, temos um problema. Eu diria que o Estado tem outra capacidade de tratar dessa questão.
Porém, a sua reflexão vai mais além. Recorda que, enquanto houve professores, Portugal tinha uma tabela salarial absurda, onde se entrava a ganhar muito pouco e se saía a ganhar bastante bem. E isso, sublinha, não foi um problema para o Estado e para o privado, enquanto não houve muitos professores a chegar ao topo. Por isso, a correção que tem vindo a ser feita, diz, é sobretudo ao nível dos escalões de entrada é inteiramente justa.
Dito isto, porque posso parecer insensível à questão real, Portugal tinha de há anos, há muitos anos, e todos convivemos com isso e ninguém se zangou muito, enquanto houve professores, uma tabela salarial completamente absurda. É o meu ponto de vista pessoal, clarinho. E, os relatórios da OCDE mostravam isso. Eles todos os anos, quem quiser ir ver, as séries de há 20 anos a esta parte, há sempre um gráfico que diz o valor que se ganha ao início da carreira e o valor que se ganha no final da carreira. Portugal aparecia sempre na ponta, dos países onde a diferença salarial à entrada e à saída da carreira era maior. Portanto, nós tínhamos um sistema onde de facto se entrava a ganhar muito pouco e se saía a ganhar bastante bem. É a minha avaliação.
O que é que, então, na experiência de Francisco, as escolas privadas têm para oferecer aos professores que as escolas públicas não conseguem?
O que é que nós temos? Nós temos outros instrumentos, quer dizer… no mundo empresarial, se nós falamos da gestão, quase toda a gente lhe vai perguntar qual é a missão, visão e os valores. Não sou daquelas pessoas que acho que é isso que vai transformar a empresa. Numa organização como uma escola, um privado tem uma identidade, não tem isso, mas tem identidade. Nós na escola, nós somos uma escola marista, significa alguma coisa. Portanto, temos uma identidade.
Uma identidade que falta ao público, diz Francisco.
Eu acho que o corpo docente vai sendo cada vez mais estável do que vou vendo, das escolas que vou visitando. É, porque não há uma identidade. Não há uma identidade. E, em certa medida, ninguém quer que haja. Porque a escola pública, por definição, é suposto ser igual para todos e, por ser igual para todos, elas são todas iguais e, se são todas iguais, não têm identidade.
«A guerra contra a escola privada foi uma guerra contra a escola católica»
Estaremos a cavar um fosso entre a escola pública e a escola privada?
Eu julgo que em certo momento a guerra contra a escola privada foi uma guerra contra a escola católica. Posso estar a ser abusivo, mas é a sensação que tenho. Porque, a escola privada era sobretudo a escola católica, eram colégios como os colégios maristas […] Não quero ser injusto, mas eu creio que foi muito uma guerra ideológica esquerda-direita, mas mais do que uma guerra ideológica, foi uma guerra de uma certa esquerda contra a igreja. E tenho pena disso.
Francisco acredita que a razão para esta “guerra” está numa crítica a uma endoutrinação que a igreja possa fazer. A verdade é que o pensamento deve estar naquilo que é melhor para o ensino. Ter a capacidade de olhar para o ensino e trazer os melhores.
A razão é porque há ali por trás uma crítica a uma endoutrinação que a igreja possa fazer. E eu não vou dizer que a igreja não faça isso. Portanto, pode haver escolas onde isso existe, portanto, eu percebo que isso exista. Eu acho que a razão foi essa. E essa razão eu tenho muita pena, porque acabou com os contratos de associação e eu acho que os contratos de associação era uma coisa boa. Quem defende a escola pública eu acho que defende uma escola para todos. E eu acho que faz bem. Eu penso é que – hoje em dia eu já olho para isto um bocadinho diferente do que dos do Fórum para a Liberdade da Educação que que já foi há alguns anos. Eu acho que nós temos que ter a capacidade de olhar para o sistema de ensino e tentar trazer para o sistema de ensino os melhores, que gostem do sistema de ensino, e que queiram fazer coisas boas no sistema de ensino.
É, por tudo isto, que devemos arranjar válvulas de escape.
Eu acho que a questão da gestão, o problema já não é gestão ser privada ou não ser privada, é trazermos os melhores para o ensino. E, perde-se muito, quando nos fechamos à lógica estatal. Eu acho […] nós não vamos mudar um sistema que é puramente estatal, para um sistema que é privado. Isso não faz sentido, as escolas existem, os professores estão aí. E está centrado numa carreira docente que está constituída e que não vai mudar do dia para a noite. Agora, arranjar válvulas de escape, em vez de ter uma coisa rígida, que não se consegue mover e cada vez que você quer dar um passo é uma dor. Eu abriria válvulas de escape.
Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.
Adriana Ribeiro
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