#EP30: Uma educação na base do afeto, alicerçada na empatia e na criação de pontes

O 30º episódio do Isto não é Pera Doce! traz-nos uma dinâmica diferente. O convidado é a Oficina de S. José, representado em dose tripla, por: Serafim Gonçalves – Diretor Geral -, Mafalda Malheiro – Diretora Técnica da Casa de Acolhimento Especializada -, e Edson Luís – Diretor Técnico da Casa de Acolhimento.

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#EP30: Uma educação na base do afeto, alicerçada na empatia e na criação de pontes
Fígura de ondas técnologicas azul

A educação assenta em vários alicerces. Na Oficina S. José, um dos mais importantes é o afeto. Neste testemunho, real, pragmático e sincero, falamos sobre como educar crianças e jovens, em situações de risco, que à partida, não seriam casos de sucesso no Ensino. Mas, o afeto pode mudar o rumo da teoria. Ouça o episódio na íntegra:

Acolher ou não acolher? 

A Oficina S. José é uma IPSS que acolhe crianças e jovens em situações de perigo. Jovens que estão à margem do sistema e que exigem um trabalho muito dedicado e atento, para que lhes sejam garantidos os seus direitos fundamentais. Para o efeito, a instituição apresenta quatro respostas sociais, explicadas por Serafim Gonçalves: 

Temos, atualmente, quatro respostas sociais: Casa de Acolhimento – onde estão acolhidas 18 crianças e jovens; Casa de Acolhimento Especializado – onde acolhemos, atualmente, 14 jovens provenientes do Afeganistão; Apartamento de Autonomia - onde estão acolhidos três jovens, já num plano final de autonomização. Ou seja, o que se pretende ali é que já sejam praticamente eles a gerir todo aquele espaço. Só fazemos uma supervisão à distância. Dois estão integrados no mercado de trabalho, um está a terminar o curso superior; E criámos recentemente uma Residência de Autonomização Inclusão, para jovens que não têm retaguarda familiar ou uma retaguarda familiar frágil e que continuam a precisar muito do nosso apoio.

 

Respostas que são colocadas em prática para concretizar um propósito maior: garantir-lhes a inclusão na sociedade e o acesso à educação. E, a este nível o ponto de partida é o acolhimento, onde a criança, os pais e os responsáveis pelo acolhimento são envolvidos, para iniciar o processo. Na perspetiva de Serafim, um bom acolhimento é meio caminho andado para o sucesso de toda a intervenção. 

No acolhimento, que é o primeiro patamar e consideramos que é um dos alicerces da nossa casa, é importante acentuar isto: nós dizemos, temos isto como certo, que um bom acolhimento é meio caminho andado para o sucesso de toda a intervenção. Este processo do acolhimento, onde nós sentamos a criança à nossa frente, sentamos a família, sentamos os responsáveis pelo pedido de acolhimento, este encontro só serve para uma coisa que é para criarmos empatia, criarmos pontes

Na Oficina de S. José existem, para dar resposta, dois tipos de acolhimento: o acolhimento programado e o acolhimento de urgência, que Edson Luís explica: 

Quando é um acolhimento de urgência, nós reinventamo-nos para que a criança possa-se sentir bem e possamos dar confiança também à família. Isso é importante. Criar confiança com a família, empatia com a família, que a família consiga perceber que nós estamos para ajudar. Não o contrário. No acolhimento preparado, há a receção de um relatório, há a comunicação/discussão em equipa – a equipa técnica e educativa -, em que se fala das necessidades daquela criança, se nós somos capazes de responder às necessidades que nos estão a ser pedidas, que arranjemos solução para elas, em que colocamos à entidade que nos faz o pedido algumas questões que podem não estar versadas no relatório. Após essa análise e discussão de equipa, há uma decisão. Quando a decisão é de acolhimento – porque há alturas em que não dá para acolher.

Durante a preparação do processo, há fases que são cruciais: a avaliação de necessidades e o Plano Socio Educativo Individual. Tudo começa com a receção de um relatório e termina com uma decisão. A decisão pode passar pelo acolhimento da criança ou jovem, mas também pelo não acolhimento. Apesar de poucas vezes acontecer, o não acolhimento pode ser uma decisão, em situações explicadas por Serafim Gonçalves:

Acima de tudo [acontece] quando sentimos que não vamos ser uma mais-valia na vida daquele jovem ou daquela criança. Quando nós sentimos que isso não é possível, temos de ser honestos e dizer abertamente isto aos nossos interlocutores. Às vezes, também é importante ter em atenção os outros [jovens] que temos já acolhidos e se o acolhimento de um outro jovem, com determinadas problemáticas, pode fazer brigar aquela estabilidade do grupo.

Quando a decisão passa pelo acolhimento, inicia-se o caminho de integração da criança ou jovem, que não só implica a instituição e a criança, mas também a família. Na perspetiva da Oficina S. José, é importante que a família tenha confiança naquilo que está a ser feito. Esta será a base para que o Plano Socioeducativo Individual seja um sucesso e não fique condenado ao fracasso. 

Para nós, aquilo que é determinante é a família ter confiança no que está a ser feito. Porque tendo confiança no que está a ser feito sabemos que o jovem mesmo que vá a casa aos fins de semana, ele vai regressar. Sabemos que quando se define o Plano Socioeducativo Individual, a família vai fazer um esforço naquilo que é a sua parte de participação neste processo e neste projeto, vai fazer o melhor que pode. Portanto, é difícil a família não alinhar com o que está perspetivado. Se a família não se envolver e se o jovem não se envolver, o Plano Socioeducativo Individual está condenado ao fracasso. Tem de ser um processo, onde a envolvência da família e do jovem são fundamentais.

«Devíamos dar a cada criança, aquilo que cada criança precisa. Dar a cada jovem, aquilo que cada jovem precisa.»

Além da família, há outro agente crucial na educação e desenvolvimento desta criança ou jovem acolhido: a escola.  Serafim explica que a Oficina S. José tem uma ligação direta com a escola, aliás, que não poderia ser de outra forma, porque a educação destas crianças e jovens é responsabilidade de toda a comunidade, das escolas e não apenas da instituição. 

A educação destas crianças e jovens não pode só ficar à responsabilidade da Oficina de S. José. Se assim fosse, não correria bem. É uma responsabilidade de toda a comunidade e as escolas têm esta responsabilidade também, de participarem nesta educação. E, felizmente, nós temos uma ótima relação com as escolas da nossa esfera da comunidade. Os diretores de escola, professores das escolas, diretores de turma são visitas assíduas à nossa casa, nas nossas festas e, portanto, com frequência vão lá a casa e estão connosco. Por isso, esta relação, ou seja, mais uma vez a questão da relação que é fundamental para a descoberta de novos caminhos

Neste contexto educativo, a Instituição defende que o ensino deveria apostar na individualização. Primeiro, porque é mais fácil um professor trabalhar com uma turma de 15, do que com uma turma de 24, ou de 28. Depois, porque centrar a educação conforme as necessidades de cada um pode, efetivamente, aumentar o sucesso futuro daquela criança ou jovem. Tal como a Oficina de S. José gosta de olhar para cada criança, reconhecer-lhe as fragilidades e potencialidades, para que possa perspetivar-lhe um futuro, a escola deveria ter a capacidade de o fazer também. 

Devíamos dar a cada criança, aquilo que cada criança precisa. Dar a cada jovem aquilo que cada jovem precisa. E isso era verdadeiramente uma escola inclusiva. Mas também, isso é uma utopia. Temos de ser realistas. Agora devemos almejar chegar lá. Porque nós sentimos isso, por exemplo, com cada criança jovem, quando se fala no todo, nós gostamos de olhar para cada um. Sentamo-nos muitas vezes, nas reuniões que temos das equipas técnicas e educativa, a dialogar sobre o perfil de cada um destes jovens e ter aqui uma visão prospetiva do que é que pode ser este jovem, segundo aquilo que conhecemos: fragilidades e potencialidades. Isto, em termos de escola, eu percebo que a escola é muito massificada.

Pode ser uma utopia pensar na escola desta forma, porque se percebe que ainda é um agente massificado, mas o importante é que este objetivo esteja a ser trabalhado, com perspetiva de concretização futura. 

Teria de ser um trabalho interdisciplinar, ou seja, não pode ser um trabalho só de uma turma, ou só de um grupo de professores do ensino especial. Tinha de ser um trabalho, muitas vezes, coordenado com todos os atores envolvidos para dizer “é por aqui o caminho”.

Para Edson, o ideal seria repensar o nosso sistema de ensino, de forma que as oportunidades estejam acessíveis a todos e que correspondessem à vocação de cada um. Incutir uma aprendizagem diversificada é fundamental, para que, como sublinha, não continuemos a ter falta de quem queira trabalhar em eletricidade, por exemplo. Serafim, apoiado nesta ideia, acrescenta: 

Quanto mais estudarmos melhor. Mas houve aí um tempo em que havia aquela psicose de que todos tínhamos de ser doutores e os cursos alternativos de realização, concretamente os profissionais, e por aí fora. Nós notamos, na nossa realidade, que para muitos miúdos significou até terminar o curso e depois irem para a universidade e, de outra forma, nunca conseguiriam no ensino regular, nunca conseguiriam ter esse sucesso. Às vezes é preciso estarmos atentos. Agora, que sejam cursos que realmente permitam, que quando se terminarem haja uma saída profissional. Porque, o que é que nós assistimos às vezes? Que há cursos profissionais, como diria o outro, sabemos para o que servem.

Um sistema de ensino em que os cursos profissionais pudessem começar no segundo ciclo é um ideal defendido por Edson, pois: 

estávamos a conseguir colocar uma parte prática, em que conseguiríamos cativar muitas das crianças que um dia serão jovens, a cativar, interessarem-se para que quando passassem para as escolas profissionais fossem com interesse. Porque, muitas vezes eles estão na escola, a escola não lhes diz nada, vão perdendo as bases. Quando vão para cursos profissionais estão lá só porque têm de estar.

No entender de Mafalda, nem sempre a escola está preparada. Neste momento, a escola ainda não está idealizada para um ensino direcionado. 

Às vezes, a própria escola, a estrutura dos currículos, não está preparada para estes miúdos que não conseguem, se calhar, a nível teórico, ter sucesso, mas que conseguiriam a nível prático. Ou, que devido às suas caraterísticas são miúdos que precisam de um ensino muito mais direcionado. E a escola não é feita para isso, muitas vezes.

Para já, a escola pode não estar pronto para um nível de ensino direcionado, mas a Oficina S. José faz o melhor que consegue para concretizar esta individualização e preparar as crianças e jovens para um futuro risonho, com as mesmas oportunidades de todos. E, perceber que conseguiram construir algo de bom com os ensinamentos que lhes transmitiram é uma das suas maiores conquistas. 

A grande maioria tem uma vida perfeitamente estável, famílias constituídas e essas são as nossas vitórias. Isto é como nós com os nossos filhos: as sementes lançadas hoje, nem sempre vemos o resultado, o germinar delas é só mais tarde. Às vezes queríamos ver logo, mas não vemos, vemos mais tarde. E é nesse trabalho que nós acreditamos, porque nós damos tudo o que temos e exigimos o máximo que cada um deles pode dar. E, nesta dinâmica do afeto, com doses equilibradas de autoridade penso que temos conseguido fazer realmente um bom trabalho em prol destes jovens, que é visível.

Assista ao episódio, na íntegra, no YouTube, Spotify, iTunes ou Google Podcasts.

Adriana Ribeiro

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